sábado, 29 de março de 2014

Em meus tempos de CTG, esta poesia me rendeu o troféu de 1º Lugar Declamação Adulto. Saudades!!!


VOVÓ MIMOSA, PARTEIRA
Ludwig Larré

Madrugada, 29.
Agosto de chuva e frio.
Pedro cruzava a picada
no seu baio bom de rédea.
Ah, meu Deus, o passo cheio.
Vamo, cavalo, sem susto,
voa por riba do rio.

Tá frio, meu poncho me cobre,
defende a chuva e o vento.
Mas não segura no peito
o coração que galopa,
nem seca o rosto molhado.
(Será água só da chuva?
Deve ser, que home não chora,
nem quando morre de medo
de perder mulher e filho.)

Maria ficou no rancho.
Gemia tanto a maria.
"Vai, Pedro, volta ligeiro,
traz a comadre Mimosa,
tá chegando outro menino.
Este, Deus não vai levar!"

Vamo ligeiro, meu baio!
Vence o breu desta picada,
parte esta chuva no meio,
teu galope nào tem frio.
É ali, já tá pertinho,
quando se acaba a picada,
logo de trás da coxilha.

Ô de casa, meu compadre!
Desculpe a hora sombria.
Chame depressa a comadre!
Que pegue logo a tesoura
e o demais de percisão.

Vamo indo sem demora.
Maria ficou gemendo.
De dor, de ânsia, de medo.
Ai, comadre, esse vem vivo?
Será que chegamo a tempo?

"Já cheguemo, fique calmo!
Perciso d'água fervendo
e os pano branco do aparo."

Pedro conteve seu medo,
rezou a reza do aflito.
Até que o choro explodiu."
Vem ver, compadre: é menina,
teu guri vem doutra vez."
Era menina. Mirrada,
meio feinha, a coitada,
mas tava viva, perfeita,
gracias, gracias, meu bom Deus!

Maria, ria esgotada,
ria e chorava sem dor.
Tava de alma lavada.

Era, enfim, um seu rebento,
que ela havia de criar.
Agradecia à comadre,
à sua mão abençoada,
que sempre, chamada, vinha,
competente, despreendida,
mesmo com chuva e com frio.

Depois dessa menininha,
vieram chegando os outros.
Primeiro, outra guria,
depois, enfim, o guri.

E sempre Vovó Mimosa
(que ficou vovó de todos)
vinha aparar cada um.

Com a sua velha tesoura,
quando Pedro ia buscá-la,
cruzava a picada escura
no seu zaino, a trote largo.
E atendia maria,
certeira, o cordão cortava.
E sorria, e abençoava,
com seu primeiro acalanto,
cada vidinha brotada.

As vidinhas já cresceram.
Cresceram, ficaram velhas.
Vó Mimosa já partiu.
Também Pedro foi embora.
Maria à pouco o seguiu.

E olhando os longes do tempo,
a léguas lá da picada,
no céu da minha saudade,
onde cintila pai pedro,
e agora também Maria,
passa, às vezes, numa nuvem,
montada no velho zaino,
a imagem doce encantada,
daquela Vovó Mimosa,
que puxou tanta criança
para este mundo de Deus

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